quinta-feira, 21 de junho de 2012

A menininha e o Pão.

Estávamos todos no jardim da escola, apesar da felicidade extrema das pessoas, era só mas um dia comum. Nos olhávamos e conversamos sobre um assunto qualquer, talvez sobre a prova de matemática.
Sobre algum impulso, a menina dos cabelos quase negros, arrancara um pedaço vivo de seu braço num esbarro na parede externa do ginásio, e por mais que ninguém se importasse, eu olhava com piedade a menina e chorava por sua perda carnal.
- Filha... Filha, acorda que já são seis e quinze.
-Ta bom! Já acordei...
Estava sobre efeito nostálgico, após o sonho confuso que tive e demorei alguns minutos para voltar ao mundo que me aguardava lá fora.
Antes de sentar-me a mesa, minha mãe pediu para que eu fosse comprar pães. Segui o caminho de sempre, mas encontrei uma padaria nova que nunca tinha visto antes, cheia de pães e doces com os nomes mais bizarros. Mas nada me surpreendia mais do que a cara rabugenta do homem que se encontrava no balcão.
-Senhor, poderia me ver quatro pães, por favor?
Eu disse da forma mais educada que pude.
-Aqui só se compra um pão por vez, menininha – Foi o que ele respondeu no seu tom grave e agressivo, com aqueles olhos avermelhados, penetrantes nos meus.
Eu continha as palavras dentro da minha boca, que por sua vez amargavam como fel... Ninguém me chama de menininha!
Fiz o mesmo caminho de volta, pensando em qualquer coisa.
Cheguei em casa e minha mãe já tinha saído. Sentei na cadeira e coloquei o pão sobre a mesa, olhei fixamente para a mesma, não queria pensar em nada, nem sobre o que fazia bem e nem sobre o que era ruim. A vontade de comer o pão já tinha cessado.
-” Bon jour”, menininha!
Será que estou ficando louca? De onde tinha ressoado aquele sotaque francês?! Deve ser coisa da minha fértil imaginação!
- ei, ei... Será que poderia tirar-me desse saco, está quente aqui dentro!
Dizia novamente a voz, dessa vez num tom mais imponente.
Continuei calada, por causa da indignação e abri o saco desesperadamente, para ver com meus próprios olhos aquilo.
O pão colocou-se de pé em cima de duas varinhas que pareciam pernas.
-Olá menininha, sou Ramón Luc Piccard, e você como se chama?
- Kira...
Nesse momento já tinha me conformado e ignorado o fato de que estavas a falar com um pão.
-Minha queridinha... Eu já cruzei os sete mares, já andei todos os lugares e frequentei os melhores cabarés, mas nunca vi os olhos de uma menininha serem tão intensos e tão negros como os seus, parecem duas belas jabuticabas prontas para serem devoradas.
- Você? Cruzou os sete mares? Cabarés? Muitos lugares? Mas você é um pão de sal!
- Um pão francês, minha cara! Um pão francês... Aliás, um pão pirata francês!
Ele parecia bravo, quando me corrigiu.
- Você não parece um pirata. – Mas eu não ligava porque ele era um pão.
- E você... Não parece uma menininha! – Retrucou ele.
Foi aí que percebi a tantas vezes que tinha me chamado de menininha... Ai, como eu odeio!
-É porque eu não sou uma menininha! E não me chame mais assim!
- Me desculpe, minha cara, não queria desconfortar-lhe de forma alguma.
- Tudo bem...
- Vou lhe chamar de Malandrops. – Ele disse num tom de piada interna.
-Malandrops?!
-Sim, você tem cara de Malandrops.
-Tá... – Eu estava sempre conformada, sempre confortável.
- Seu rosto não é seu, deve ser de alguma deusa que perdeu e caiu sobre sua face num encaixe perfeito, são traços muito finos para serem de uma mera mortal, você deve ser alguém muito especial.
Ele estava me deixando toda constrangida e não podia fazer nada além de me calar.
-O que me incomoda é esse seu silêncio. Deusas da beleza gostam de falar sobre o quão são perfeitas.
Eu não era nada daquilo, mas era tão doce que tinha medo de dizer alguma coisa e estragar tudo.
- Queria poder beijar esses seus doces Lábios, dona Malandrops. – O olhar dele estava tão fixos nos meus lábios agora, que parecia que os atraía com a força da mente até a sua boca. Fechei os olhos para não imaginar mais nada e quando abri, meus lábios se encontravam nos deles e parecia que tudo girava, minha cabeça latejava como nunca, senti meu corpo diminuir e diminuir, olhei ara os meus braços e eles agora eram apenas duas varinhas como as do Sr. Ramón, olhei para ele e percebi que nossos olhares se alinharam. Eu estava do mesmo tamanho que ele! Ele me olhava e sorria, dizendo:
- Você é tão doce quanto eu pensei que fosse.
Gritei tão alto, que os anjos podiam me escutar lá do céu.
-Calma, calma, minha querida Malandrops... Agora você pode sentir o que eu sinto. Vou ser o seu pão francês para sempre e você será “minha querida” pão doce!
- Mas... Mas, eu não quero ser “uma” pão doce!
-Oh, não chore minha doce Malandrops. Eu sei que não sou lá um grande pão, mas posso te fazer o pão mais feliz dos sete mares.
Ele me derretia com suas palavras e isso me irritava.
- A vida de um pão não é muito longa e apesar de todo esse açúcar que me cobre, é superficial. Quando eu era uma menina, estava dentro de mim.
Poupei minhas palavras, porque a cada movimento que fazia, o açúcar se derretia e eu ia perdendo o doce e então eu seria apenas “uma” pão.
-Oh, Sr. Ramón, quero ser uma menininha. Não posso continuar como pão! Como vou poder ir à escola? Andar de bicicleta? Correr pelos campos verdes?
-Esqueça tudo isso e posso te mostrar como ser um pão, pode ser fantástico! Te juro que será mais feliz que qualquer outro ser que se encontra na face da terra!
-Não posso! Tenho que descer da mesa e me sentir grande de novo, preciso terminar minha lição de casa.
Ele me irritava cada vez mais.
-Mas isso é impossível, você é “uma” pão doce agora e não existe nada que te torne uma menininha de novo... Exceto por uma coisa...
-O quê? Me diga, por favor. – Eu suplicava.
- A morte! A morte de um pão sempre faz o amor retornar como verdade.
-Não pode ser isso! – Meus olhos estavam embaçados. Consegui enxergar a faca em cima da mesa, no impulso que tive, agarrei-a e finquei no pão com gosto, como se estivesse abrindo um pão para passar manteiga e aquele ato me fez sentir cada vez mais menina, mesmo que eu estivesse sento sucumbida por uma terrível dor, meus olhos estavam cheios de lágrimas e senti meu corpo crescer. Corri até o banheiro e vi meu rosto distorcido no espelho, sentia meu braço formigar, olhei e logo vi o corte enorme que acabara de fazer, jorrando cada vez mais sangue.
-Mããeee!
Ela acabara de abrir a porta
- Que foi filha?!
-Estou eu a morrer...

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